quarta-feira, 24 de junho de 2009

Histórias exemplares II


Num almoço para qual fui convidado calhei numa mesa onde um gastrónomo encetou uma conversa comigo, falando de alguns restaurantes de renome internacional aos quais já tinha ido, exibindo até uma certa intimidade com alguns chefes. A certa altura, vem a pergunta inevitável:
- O que acha da Michelin em Portugal?
- Acho que as estrelas, daquilo que conheço, está bem atribuídas. Acho é que deveria haver outros restaurantes que também as deveriam ter - digo eu, recorrendo à resposta que costumo usar.
- E o que acha do Eleven?
- É um bom exemplo de uma estrela que está bem atribuída.
- Pois eu não acho nada. Um dia fui lá com o X [e a pessoa em questão, que estava também na mesa, assentiu, confirmando por antecipação a história que viria a ouvir], para o lançamento do livro do Y. Como chegámos um pouco mais cedo, pedimos um copo de vinho. E sabe o que o empregado nos respondeu? Que tinha ordens para só servir o vinho quando o Sr. Y chegasse...Acha que um restaurante com um serviço destes merece uma estrela?
De nada adiantou eu explicar que, apesar de não concordar com a atitude do empregado (ou de quem lhe terá dado a ordem), não me parecia razão suficiente para a retirada da estrela, que estas são atribuídas em função da cozinha e não do serviço ou da decoração (informação que pareceu surpreender o meu interlocutor), que a situação se tinha passado no andar superior, onde o Eleven organiza as refeições para grupos, e não na sala do restaurante...nada fazia demovê-lo, sempre com o assentimento do seu amigo X, de que o único restaurante com uma estrela Michelin de Lisboa deveria ser punido, quiçá fechado, por não lhe ter servido um copo de vinho quando ele queria.
Moral da história: noutros países e noutras cidades, ter restaurantes com estrelas Michelin é motivo de orgulho, sobretudo entre os seus gastrónomos. Em Espanha, por exemplo, às vezes com um exagero que também não quero para cá, se um restaurante tem "só" uma estrela, dizem logo que merece duas ou até três e queixam-se do "francesismo" dos inspectores que não reconhecem a qualidade da cozinha que se faz no seu país.
Em Lisboa, desde que recebeu a estrela, o Eleven, em vez de ser saudado, começou logo a ser visto com desconfiança, numa atitude típica do género: "olha, o que é que eles são mais que os outros?". Para isto não ficar demasiado longo, nem vou enumerar a quantidade de críticas (geralmente relacionadas com o serviço) que ouvi, como se ter uma estrela Michelin fosse ter três, ou como se fosse obrigado a ser um restaurante perfeito, onde cada refeição tivesse que nos levar ao sétimo céu. Como a grande maioria dessas pessoas não aplica o mesmo grau de exigência quando vai a outros restaurantes, quer em Portugal quer no estrangeiro, só posso concluir que gostamos de punir quem tem êxito, quem ousa se destacar da mediocridade geral. Parece que não ficamos descansados enquanto não formos um país em que a sua principal cidade não tem nenhuma estrela Michelin.
Declaração de interesses: há uns anos, escrevi um livro sobre "A cozinha de Joachim Koerper" e fiquei amigo deste admirável profissional, cuja vinda para Lisboa devia ser acarinhada por todos nós.

15 comentários:

Anónimo disse...

Excelente post!

Já agora (por curiosidade), quais os outros restaurantes de Lisboa que, na sua opinião, merecem a dita estrela? Algum merece duas?

Cumprimentos,
Pedro

Duarte Calvão disse...

Obrigado, Pedro. Creio que neste momento o Valle-Flôr, o Tavares e, desde que o chefe Leonel Pereira consolide o seu trabalho, o Panorama, do Sheraton. Também o Terraço, do Tivoli, se Luís Baena estabilizar lá a sua cozinha, poderá vir a merecer. Espero não me ter esquecido de nenhum. Quanto às duas estrelas, tenho mais dificuldade em responder. Mas acho que qualquer um deles, se prosseguir o bom trabalho, poderá chegar a elas.

Anónimo disse...

Para os portugueses dizer mal de quem é bom, serve apenas para mostrar que eles se consideram muito melhores.
Na realidade apenas mostra que pouco valem... não passam de saloios com uns euros no bolso.
É triste.
Por sorte não somos todos assim.

Filipe

Miguel Pires disse...

Já várias vezes me chegaram opiniões negativas sobre determinados restaurantes baseadas em eventos e caterings da sua responsabilidade. A comparação não é correcta mas se não houver informação sobre essa diferença corre-se o risco de se passar uma imagem errada. Do mesmo modo a qualidade desses serviços terá que ser superior dentro do género.
Não faço ideia como estará agora mas recordo-me de há uns dois anos de ter ido a dois ou três eventos no Pestana Valle Flor e de o catering ser muito fraco. Sensação que fiquei é que não era efectuado pela equipa do restaurante. No entanto a associação ao nome do mesmo era passível de ser feita.

Anónimo disse...

aqui está a nossa pouca exigência. então se o evento foi no pestana palace o catering foi efectuado por quem?
o vale flor é capaz do melhor e do pior.
gostava que o vale flor também fosse candidato a uma estrela mas também compreendo o lugar de eterno candidato. e então o serviço de sala é melhor não falar.

espero mais rigor de pessoas do meio com vexas. os espanhóis são muito rigorosos e exigentes. depois protegem o bom que têm.

Cumprimentos

joaquim

Duarte Calvão disse...

Claro que o Joaquim nunca encontrou nenhuma irregularidade em restaurantes com uma estrela Michelin... Um bom exemplo do género de pessoas sobre as quais eu escrevi. Os restaurantes e os gastrónomos portugueses deveriam estar eternamente agradecidos ao chefe Aimé Barroyer pelo trabalho que desenvolveu com os produtos portugueses e pelos ensinamentos que transmitiu a dezenas de jovens cozinheiros.

Anónimo disse...

encontro muitas irregularidades e diferenças de critério na atribuição de estrelas. gosto muito do trabalho do aimé e seus descendentes mas não tenho dois pesos e duas medidas. os restaurantes dos amigos até podem ser low cost mas nem falar nisso. uns são candidatos a estrelas mas não vi nada de positivo, estável e sólido no seu trabalho. infelizmente com atitutes como as vossas continuamos com poucas estrelas e sem perspectivas de mais (talvez o tavares)

joaquim

EuSouGourmet disse...

Caro Duarte,
Realmente há mais “casas” merecedores de estrelas em Portugal, e concordo com algumas das tuas referências e arriscava a acrescentar um do Porto.
Penso que as pessoas devem ver este guia é um factor económico muito bom para as casas que o ostentam, e é um reconhecimento internacional ao nosso turismo e gastronomia.
Não quero dizer com isto que todos devam ter, mas quem as tem deve apresentar com orgulho e reconhecimento da distinção!
E os portugueses têm e devem sentir esse mesmo orgulho.

Aproveito para congratular os autores deste blogue, que em boa hora trouxeram o diálogo sobre temas que normalmente “autores” se escusam a falar – Parabéns.

Vicente

Duarte Calvão disse...

Caro Vicente, limitei-me a Lisboa, claro que acho que em Portugal há mais restaurantes a merecer estrelas.
Não percebo aonde quer chegar, Joaquim. Tanto diz bem como mal do trabalho do Aimé Barroyer. E essa de "amigos" e da culpa de não haver mais estrelas ser nossa é totalmente incompreensível. Se quiser ser mais claro, terei todo o gosto em discutir consigo. Se é apenas um desabafo, é melhor ficarmos por aqui.

Miguel Pires disse...

Caro Joaquim
Em relação ao seu comentário:"aqui está a nossa pouca exigência. então se o evento foi no pestana palace o catering foi efectuado por quem?
o vale flor é capaz do melhor e do pior"

O que eu queria dizer é que a equipa não era a do restaurante comandada por Aimé Barroyer. O que retirando a responsabilidade ao chefe francês, não a retira aos responsáveis pelo hotel, que assim prestam mau serviço aos clientes e à imagem do restaurante

Anónimo disse...

Caro Duarte Galvão,

Com todo o respeito, mas, falar de estrela por parte de Tavares ou do Sheraton tudo bem.. Agora Terraço do Tivoli? O que é que o Baena faz de jeito? O Aimé reconhece-se o valor mas com buffet não se dão estrelas igualmento como no Ritz, agora dizer-se que o Terraço merecia estrela, para isso tinha de dar 2 ao eleven, 2 á Fortaleza, 3 ao Villa Joya, a qualidade desta cozinha é mesmo muito fraquinha. fica-se pela beleza da loiça..e do espaço..mas comida.. muito fraco..

Bem Haja..

Francisco Rebelo de Almeida Rendeiro e Cunha

Anónimo disse...

Merecer, merecer, justifica o Tavares.
O Sheraton ainda é muito cedo, ainda não provou nada. Quando estabelizar então podemos falar, já é queimar oportunidades.

NOG disse...

Caro Duarte,

Não imagina como gostei do seu texto... oiço constantemente críticas ao Eleven que não compreendo (noto que não tenho nenhum interesse, comercial ou de outra ordem, nesse estabelecimento).

O Eleven merece a estrela, o problema é que outros também a mereçam (é preciso que alguém vá alertanto os inspectores da Michelin, que são poucos, para os novos valores em Portugal - aposto que o Duarte é o homem certo!).

Quanto ao Panorama, deixei um comentário ao seu post a ele dedicado - está bom e recomenda-se, apesar dos vinhos merecerem maior atenção (não basta ter uma garrafeira bonita de vidro, é preciso que ela esteja refrigerada...).

Outro problema: os chef em Portugal tendem a desmotivar quando passam um ou dois anos num projecto e ninguém lhes liga...

Tavares está no bom caminho, efectivamente.

NOG

Duarte Calvão disse...

Caro Francisco Rendeiro e Cunha,
O Luís Baena fez um trabalho notável na Quinta de Catralvos, introduzindo em Portugal, de forma inteligente e original, sem "copiar", uma série de técnicas e conceitos da cozinha mais vanguardista. Eu próprio, quer neste post quer no anterior que escrevi sobre o Tivoli, deixei claro que ele precisa de voltar a demonstrar a validade desta cozinha, o que até agora não aconteceu, julgo que devido às características do restaurante e da cadeia hoteleira em que está a trabalhar.
Como é evidente, trata-se de uma cozinha de risco, onde há pratos que funcionam e outros que não, mas isso a mim interessa-me, mais do que o aborrecimento de quem cozinha prudentemente e sem ambição. E garanto-lhe que o Luís Baena é um grande profissional, capaz de impressionar com coisas tão simples e boas como burras assadas ou pastéis de massa tenra. Que ele queira arriscar, fazer diferente e escolher o caminho menos cómodo é, para mim, digno de admiração.
Agora, se não gosta de comer o que ele faz, está no seu pleníssimo direito e não há nada que eu ou alguém diga que faça mudar esse "gosto". Só lhe peço é que não queira proibir os outros de gostarem

Duarte Calvão disse...

Caro Nuno,

Desculpe ter-me escapado o seu comentário anterior e obrigado pela suas amáveis palavras, mas, por favor, não me ponha responsabilidades sobre as estrelas Michelin, senão ainda me fazem esperas na rua...
Estou completamente de acordo consigo sobre a absoluta necessidade de haver estabilidade nos projectos e no trabalho continuado dos cozinheiros para se obterem mais estrelas. Creio que, nesse aspecto, o Valle-Flôr e o Tavares já a provaram e creio que o Panorama e o Tivoli estão bem encaminhados.