sexta-feira, 10 de julho de 2009

Entre o Solar e a Gulbenkian


Um casal de amigos brasileiros, a quem o restaurante tinha sido recomendado pelo seu vendedor de vinhos portugueses no Rio de Janeiro, fez questão que fosse jantar com eles na passada sexta-feira ao Solar dos Presuntos. O que dizer deste restaurante? Das várias vezes que lá estive, nunca percebi porque goza de tanta fama. É verdade que o serviço é muito atencioso, tratando com familiaridade os clientes, mas isso para mim não é suficiente. E sempre desconfiei de restaurantes com paredes cobertas com fotografias de clientes famosos...Mas, enfim, a verdade é que há muita gente que vai lá há anos, que volta, adora, sai bem disposta, recomenda. Ou seja, quem sou eu para me opor à felicidade alheia?
Creio que da última vez que lá fui, levado por um amigo que me prometia "a melhor paella de Lisboa", comi um banalíssimo arroz que, se bem me lembro, nem carolino era, quanto mais bomba, mas sim agulha. A melhor recordação gastronómica que tenho da casa são uns soberbos peixinhos da horta (que acho que nem vêem mencionados na lista), mas desta vez nem eles ajudaram, amolecidos e abaixo das expectativas. Bons enchidos, presunto e queijo da Ilha no couvert e um razoável Azeitão, infelizmente com a "tampa" levantada e uma colher, mas já com cura suficiente. Nos pratos principais, apostei no cabrito de Monção assado, mas de novo a banalidade, ajudada por umas batatas e um arroz sem história (e este sem miúdos), aliás, os mesmos que acompanhavam o rosbife pedido pela minha mulher.
O João Paulo Martins, que tem a mania que já percebe alguma coisa de sólidos, disse-me que comeu lá recentemente uma excelente posta de garoupa grelhada. E vi que havia vários clientes a pedirem os magníficos lavagantes azuis que estão no aquário à entrada. Pode ser que da próxima esqueça a "alta cozinha de Monção", me aventure nas riquezas do nosso litoral e tenha mais sorte.
No dia seguinte, fui à Gulbenkian para ver o que o Miguel Castro e Silva (de cuja cozinha tenho sempre saudades) e o José Avillez andavam a preparar com produtos e receitas de África, América Latina, Caraíbas e Europa. O jantar custa 50 euros e inclui o bilhete para o espectáculo das 21.30 h no anfiteatro, que tem grupos musicais das partes do mundo mencionadas. Amanhã faz-se o último e recomendo vivamente. Fim de tarde magnífico e tranquilo na varanda da cafetaria do Museu (não é a do CAM) rodeada pelos célebres jardins. Vinho branco Madrigal, sempre bom, e um mais discutível tinto Rio Sol, que vale pela curiosidade de ser produzido no Vale de São Francisco, na divisa entre Pernambuco e a Bahia.
Nos pratos, tomate desconstruído, azeitona explosivo e creme de milho. Coloquei um bocadinho deste último no parapeito da varanda, mas o pardal que andava por ali a saltitar provou e recusou...Depois, ceviche de vieiras e lavagante (este pouco presente no prato que me coube) com guacamole e sardinha marinada, moqueca de camarão (ponto de cozedura notável) em cocotte, caldeirada na cataplana, asa de frango com caril e manga, espetada de borrego, batata-doce em chip, caviar de beringela com iogurte (o vencedor da tarde/noite) e, nos doces, panna cotta de fava tonka com coulis de morango, gelado de arroz doce anizado (inesquecível, mesmo para quem, como eu, não se perde por doces) e financeiro de castanhas e azeitonas.
Apesar de qualquer deles, saber fazer muito mais na cozinha de um restaurante, estava tudo muito bem, salvo o ritmo irregular da chegada dos pratos à mesa, que é ainda mais importante quando há espectáculo a seguir, com hora marcada. O Miguel Castro e Silva explicou-me que tinha vindo mais gente do que estavam à espera o que afectou o empratamento. Tudo bem. O José Avillez lá andava, com ar cansado mas feliz, a falar com os clientes de mesa em mesa. Disse-me que ainda ia nessa noite ao Tavares. Um dia destes cai para o lado...
Iniciativa muito válida esta de associar a boa cozinha à beleza dos jardins e à música do anfiteatro. Oxalá se repita.

7 comentários:

EuSouGourmet disse...

Já há novidades sobre uma casa para o Miguel Castro e Silva?

Duarte Calvão disse...

Deve estar para breve, mas já se sabe que em Portugal tudo o que mete obras atrasa.Vai ser nas Avenidas Novas, uma coisa pequena, dedicada aos petiscos.

Anónimo disse...

Vai ser nas Avenidas Novas, uma coisa pequena, dedicada aos petiscos

Os nossos cozinheiros não estão a exagerar um pouco com esta moda dos petiscos? Nós (ainda) não somos espanhóis. E no inverno ? Como é que vai ser? Não havia outra alternativa para a crise (tipo uma cozinha mais económica e igualmente criativa)?

Duarte Calvão disse...

Estou, genericamente, de acordo consigo. Há petisqueira a mais entre os nossos chefes mais conceituados, assim como acontece noutros países nesta época de crise. Mas neste caso até compreendo. O Miguel Castro e Silva, sobretudo com o BB Gourmet, sempre demonstrou, mesmo antes da crise, que fazer bem este tipo de cozinha lhe interessava. Só espero é que isso não passe a abranger toda a cozinha que tem para apresentar.

Paulina Mata disse...

As minhas experiências no Solar dos Presuntos também me deixaram sempre curiosa sobre a razão de tanta fama.

E também do porquê da "Alta Cozinha de Monção"...

Duarte Calvão disse...

É de facto um "case study", Paulina. Se tivesse tempo e dinheiro, iria lá umas quantas vezes por semana (bem, e se tivesse saúde também, porque os pratos são para o pesadote...), para fazer uma pesquisa sobre o tipo de pessoas que vão lá frequentemente e sobre aquilo que tanto lhes agrada. Estou a falar a sério. Acho que é um bom indicador. Outro caso a estudar, num nível um pouco mais popular, seria o Painel de Alcântara.

Joao Paulo Martins disse...

A propósito do Solar dos Presuntos, não faltava mais nada, agora para dizer que gostei de uma posta de peixe grelhado ter de pedir licença ao Duarte Calvão. Vê se ganhas juízo que tens idade para isso.