segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Privilegiados sejamos


Restaurante Feitoria


Se tivesse que utilizar uma palavra para descrever o Hotel Altis Belém seria “privilégio”. Privilégio dos proprietários que conseguiram edificá-lo em lugar tão especial da frente ribeirinha lisboeta; privilégio dos arquitectos que souberam tirar partido do local, acrescentando valor; privilégio dos hóspedes que têm à sua disposição um dos hotéis mais belos e com melhores vistas da cidade; privilégio de todos aqueles que passaram a ter um espaço de usufruto para um copo ao fim da tarde ou uma refeição simples na esplanada; e, por ultimo, privilégio de quem aprecia uma refeição de (boa) cozinha de autor e o pode fazer num local singular como este.
O autor dá pelo nome de José Cordeiro e tem no currículo a conquista de uma estrela Michelin, em 2005, aquando da sua permanência na Casa da Calçada, em Amarante. Ele o responsável máximo pelos espaços de restauração do hotel, mas é no restaurante principal, Feitoria, que dá largas à sua imaginação e nos provoca os sentidos com a sua cozinha inspirada em várias latitudes - da inspiração regional portuguesa, à italiana, passando pelo Japão, ou por terras gaulesas – ou não estivéssemos num local simbólico onde navegadores partiram à descoberta.
O espaço fica numa parte mais discreta do edifício. No interior a decoração contemporânea mantém a coerência das zonas públicas do hotel mas ganha aqui uma maior sofisticação, sem se tornar pesada ou ostensiva. No exterior, a esplanada abrigada em deck de madeira com vista para uma espécie de relvado em socalcos, com o Tejo ao fundo, permite-nos a fruição do espaço envolvente.  
Esta descrição parece tirada de um daqueles anúncios que se desenrolam sob o signo da perfeição mas que a todo momento esperamos um desacerto. Só que neste caso os desacertos foram mínimos. Houve uma entrada de caranguejo de casca mole (15€) cujo a confecção (panada) e a presença de sementes de sésamo acabou por abafar o seu sabor. De resto praticamente nada a apontar. Se não vejamos: Já falámos do espaço. Acrescentamos agora o serviço afável, eficiente e profissional. Dispensámos a carta de águas, mas não a dos vinhos, nem o seu serviço (excelentes copos, variedade, preços aceitáveis, temperaturas correctas). Nada disto valeria  se não tivéssemos uma ementa estimulante dificultar-nos a escolha, numa noite em que a harmonia foi uma constante.
Neste cenário o menu de degustação de 4 pratos (40€) pareceu-nos uma boa opção - existe outro de 5, por 50€. Ambos incluem a habitual oferta do chefe (amouse bouche) o que poderá levar-nos a dizer que isso é batota. Só que neste dia serviam um pequeno naco da famosa carne de vaca japonesa de Kobe, conhecida pela sua macieza e sabor. O prato seguinte, vieira corada com risotto de morangos selvagens, nas mãos erradas, podia ter dado num grande disparate. Acontece que a utilização de bons produtos, técnica na execução e talento na descoberta e conjugação dos elementos fizeram deste prato uma referência (e os morangos selvagens, mais acídulos, fazem toda a diferença). Aliás esta descrição facilmente se aplica às outras propostas degustadas. Das mais depuradas, como no cherne em papillote, timbale de batata ratte e (mini) legumes salteados, às de sabores mais complexos - mesmo que em parte familiares – como os do tornedó de novilho enrolado em bacon, tosta de gema e trufas, espargos verdes e chips de legumes.  
Se nas sobremesas o cone de morango com morangos fatiados foi prejudicado pela textura pouco cremosa do interior, já a tortinha de Azeitão com citrinos e gelado de tomilho superou as expectativas -  mesmo para quem habitualmente não acha grande graça a esse doce regional.
Por ultimo não podemos deixar de destacar também a criatividade no empratamento e o bom gosto e variedade da loiça escolhida. Quando o conteúdo é de nível superior, a encenação ganha um papel relevante no resultado final. José Cordeiro, ou Chefe Cordeiro, como gosta de assinar, aporta pela primeira vez em Lisboa para dar a conhecer o seu mundo num local único. O privilégio é nosso. O mérito é dele e de toda a equipa.


Preço desta refeição com vinho (Monte dos Cabaços branco 07), couvert,água e café: 60€/pax 


Contactos: Hotel Altis Belém, Doca do Bom Sucesso, Lisboa ; Telef: 210400200 (http://www.altishotels.com/)


Texto publicado originalmente no suplemento Outlook (Diário Económico) em 29 Agosto 2009

Carne de kobe sobre melancia


Caranguejo de casca mole com sementes de sésamo, sopa fria de manga e ar de laranja


Vieira corada com risotto de morangos silvestres




Cherne em papillote aromático, timbale de batata ratte e rabo de boi com legumes salteados



Tornedó de novilho nacional enrolado em bacon, tosta de gema e trufas e espargos 


Cone de morango, crocante de amendoim e avelã com texturas de morango



Tortinha de Azeitão sobre saladinha de citrinos, areia de pistáchios e gelado de tomilho

4 comentários:

Anónimo disse...

Parabens, muito boa crónica.

Mais um restaurante bem pensado, dos poucos que a prazo pode ambicionar a outro tipo de reconhecimento. (a seguir ao Tavares e em conjunto com o Panorama)

Felizmente o chefe não está na moda. Hoje quem está na moda parece que fica populista, e baixa o nível da cozinha.

Espero que mantenha o nível e que os nossos intelectuais acabem por lhe reconhecer valor

Anónimo disse...

Concordo com o Anónimo acima, a seguir ao Tavares e Panorama (Que são o que melhor temos na Capital)o Feitoria poderá estar no caminho certo.

João Santos

Anónimo disse...

Tenho curiosidade em conhecer o Feitoria, irei lá brevemente e depois (aqui neste blog) farei os meus comentários. Entretanto jantei ontem no Panorama onde superou totalmente as minhas espectativas. Foi fantástico! Pena que o chefe não estava...

Abraços,

Nuno Luz

Paulina Mata disse...

Também lá fui. Há muito que andava planeado, finalmente consegui ir.

Os pratos foram idênticos aos que o Miguel comeu, excepto o amuse bouche e a primeira entrada.

Muito, muito bom!

Breve faço o relato no sítio do costume. ;-)