Um jovem certamente com problemas de memória jantava relaxadamente num restaurante de luxo, no Funchal. Já no final da refeição, e depois de acabar o Madeira que estava a beber, chama a empregada e comenta: "a sua colega foi muito pouco generosa. Pode servir-me um pouco mais?". De pronto a empregada responde-lhe: "olhe, a minha colega era eu e servi-lhe a quantidade correcta".
Não estou certo se a empregada zelava pelo nosso bem estar - achando que poderia ter que conduzir nas sinuosas estradas da ilha -, ou se apenas mostrava rigor e profissionalismo. Pela forma como correu a refeição estou inclinado a aceitar ambas as hipóteses.
Estamos no Funchal, a escassa distância do mítico Hotel Reids, mais precisamente no Il Gallo D’Oro, o restaurante do Hotel Cliff Bay. Não sei se por influência de tão ilustre vizinho ou se apenas por intenção em manter o espírito de outros tempos exige-se, aos homens, o uso de casaco (embora deixem ao nosso critério o nó na garganta). Não é nada de mais, muitos outros lugares do mundo fazem-no, alem de que não existe nenhum polícia de costumes que nos obrigue a mantê-lo vestido durante a refeição. E ainda bem, porque seria um factor de distracção numa noite quente como aquela que tivemos oportunidade de usufruir numa varanda com vista privilegiada para o mar.
O Il Gallo D’Oro é o mais recente restaurante português e o único na Madeira a fazer parte da constelação do Guia Michelin ao ter sido galardoado com 1 estrela, na sua última edição. Por este motivo as expectativas eram elevadas.
Com a carta à frente, constamos que os dois pratos principais do menu de degustação são ambos de propostas do mar (curiosamente o mesmo sucedeu, alguns dias depois, já em Lisboa, na apresentação à imprensa da interessante cozinha do Xôpana, o restaurante do também madeirense, Choupana Hills). Nada a opor, afinal estamos numa ilha e passa-se bem sem carne (para quem fizer questão existe na carta essa possibilidade) pelo que fomos na onda. Antes do primeiro prato tivemos direito a uma ostra como “entretém de boca”. Para quem é adepto da sua forma mais simples, ao natural, a vinagreta que lhe escondia a tipicidade no paladar não terá sido do maior agrado. Felizmente a entrada que se lhe seguiu foi de elevado apreço (na apresentação, na confecção e na conjugação de sabores). Tratava-se de Foie gras em três formas diferentes. A primeira como recheio de uma alcachofra; a segunda com geleia de vinho do Porto; e a terceira em escalopes salteados, entremeados com maçã a dar leveza e contraste ao conjunto.
Um consommé de crustáceos, perfumado com erva caninha e gengibre foi prato que se seguiu. Boa matéria prima -vieiras e camarão jumbo escalfados – trabalhada no ponto certo. Depois, duo de linguado com raviolis de tinta de choco, creme de manjericão e mexilhões. Prato um pouco confuso, com demasiados elementos e sabores algo dissonantes (o recheio dos raviolis, o creme de manjericão...).
Para finalizar, de sobremesa, tivemos um interessante suspiro crocante recheado com mascarpone e morango marinado com lima e hortelã.
No que diz respeito aos vinhos, acompanhámos a refeição com o branco Cova da Ursa 2008 e, com a sobremesa, um Blandy’s Madeira, malmsey 10 anos (o tal da ”amnésia”) - ambos servidos à temperatura correcta, em bons copos e a preços(altos) em linha com o que é normalmente praticado em Portugal, neste tipo de restaurantes.
Temos então no panorama madeirense um restaurante galardoado com uma estrela Michelin. O Chefe Benoit Sinthon revela neste menu dotes à altura do galardão. No entanto, pela amostra, diria que ao mesmo nível desta sua alta cozinha de base francesa e de influência mediterrânica existem, pelo menos, uma meia dúzia de restaurantes no país a quem não lhes calhou a mesma sorte.
Contactos: Hotel Cliff Bay, Estrada Monumental 147, 9004-532 Funchal. Tel: 291707700 (http://www.portobay.com/)
Texto publicado originalmente no suplemento Outlook (Diário Económico) em 1 Agosto 2009
7 comentários:
Sou da Madeira mas viajo regulamente para o continente e interesso-me por alta gastronomia. Já que falou que existem outros restaurantes merecedores de estrelas Michellin, gostaria de saber quais para uma possível visita.
Muito obrigado.
JS
Caro JS, vou colocar as coisas por comparação:
a um nivel superior:
. Tavares (José Avillez) – Lisboa
Pelo menos ao mesmo nível (embora nem sempre regulares):
. Valle Flor ( Aimé Barroyer) - Lisboa
. Panorama (Leonel Pereira) - Lisboa
. Terraço Tivoli (Luis Baena) - Lisboa
. Emo Tivoli Victória (Pedro Pereira) - Vilamoura
. Le Club (Henrique Mouro) – Vila Franca de Xira
A um nível de oferta de produto menos top, mas com personalidade:
. Alma (H. Sá Pessoa)- Lisboa
.100 Maneiras (Ljubomir Stanisic)– Lisboa
Noutro tipo de cozinha (ainda dentro de um certo conceito de autor ou, pelo menos, de uma cozinha com personalidade):
. Nobre (Spázio Buondi)- Lisboa
. Aya - Lisboa
Nem todos terão condições (ou ambições) a terem estrelas Michelin mas dentro deste grupo estarão, por certo, a tal meia dúzia que refiro no texto.
blog muito interessante,parabéns. pessoalmente adoro clientes com falta de memória www.psshtomenina.blogspot.com
pessoalmente diverti-me imenso com as suas aventuras. Já está nos favoritos (e vai aqui para o lado).
Lista interessante
Deixava mais um
DOC
Experiência interessante numa potencial estrela
DOC. Visita para breve (Setembro ou Outubro).
E no Norte, não se passa nada?
São Gião, por exemplo?
E o Fialho?
Será que as tripas e os pezinhos são muito indigestos para os inspectores?
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