segunda-feira, 8 de junho de 2009

Cozinhar abaixo das possibilidades


Fausto Airoldi a fazer tuga burger nos Spot Lx, Henrique Sá Pessoa na tentar dar Alma a um magret, Ljubomir Stanisic no 100 Maneiras a fazer tudo o que pode por menos de 30 euros numa cozinha mínima apenas com um auxiliar, Augusto Gemelli também a ir na onda dos menus low cost, Vítor Sobral a ir para a cozinha de tacho na Tasca da Esquina (a abrir dentro de dias), Miguel Castro e Silva também deverá ir em breve para a petisqueira...De um momento para o outro, alguns dos nossos principais nomes da cozinha perceberam que a maior parte da clientela gosta é de comer baratinho.
"Alta cozinha low cost" pode ser um conceito de marketing atractivo mas é uma contradição nos próprios termos. Não há "alta cozinha" sem bons produtos, sem equipas bem preparadas, sem bons equipamentos, sem testar as receitas vezes sem conta. E tudo isto custa dinheiro. Para já não falar de serviços de loiça, copos, vinhos, decoração e do preço de um espaço bem localizado. Poderá haver "criatividade" low cost (e Ljubomir é talvez o melhor exemplo), mas esqueçam-se da "alta cozinha".
Como quase todas as ideias fáceis, também esta é bastante perigosa. Primeiro, porque parece que quem cobra mais de 40 ou 50 anos a um cliente é um cozinheiro armado em fino que nos quer roubar. Depois, porque limita a criatividade dos cozinheiros a um tipo de cozinha que precisa de agradar ao público a qualquer custo, recorrendo a fórmulas mais do que vistas.
Quer isso dizer que os restaurantes anteriormente citados não são válidos? Claro que são, mas a verdade é que, talvez com excepção de Vítor Sobral (para quem este restaurante pode ser o reencontro com uma cozinha que ele pratica magistralmente), todos estes cozinheiros deveriam estar a fazer outras coisas, a arriscar mais, a criar mais. Acho que eles próprios têm consciência disso, a culpa não será só deles, mas enfim...é o país que temos.
Com isso, com excepção dos restaurantes dos hotéis (sobretudo no Valle-Flôr, com Aimé Barroyer, no Terraço Tivoli, com Luís Baena, e no Panorama Sheraton, com Leonel Pereira), deverão sobrar dois restaurantes de topo em Lisboa: o Eleven, onde a longa experiência e profissionalismo de Joachim Koerper o tornam impermeável a modas, e o Tavares, de José Avillez, que teve a inteligência de evitar confusões e deixar o low cost para outro espaço, o JA, cuja primeira unidade já abriu no largo Vitorino Damásio.
Talvez seja pouco para uma capital europeia. Principalmente quando já temos um bom número de chefes que podem praticar "alta cozinha high cost".

11 comentários:

Paulina Mata disse...

Duarte, uma reflexão interessante... Será que a fartura deu em fome?
Na minha opinião, o espaço de mercado que ocupam agora muitos dos restaurantes que abriram também não tinha a dimensão necessária numa capital europeia, e não sei se agora já terá...
Está o equilíbrio por atingir? Ou o espaço para novas iniciativas existe? O futuro o dirá...

Duarte Calvão disse...

Vamos por modas, Paulina, muitas vezes cegamente. O perigo desta é comprometer carreiras de chefes que deveriam estar numa época de descoberta e criatividade e a única coisa em que parecem pensar é em encaixar a sua cozinha num menu de 30 euros. Será que no dia em que fizerem a cozinha que podem fazer (e cobrarem necessariamente mais por isso), os seus clientes low cost vão aceitar? Pensar que a crise que vivemos vai durar para sempre é um absurdo. Acredito que em breve haverá muita gente em busca da experiência de uma refeição que possa, justificadamente, custar 100 ou 150 euros.

Miguel Pires disse...

A grande novidade aqui, e aquilo o que os distingue de alguns dos seus pares lá de fora, é o de deixarem de ter o seu restaurante top. Isto é o espelho do país q temos e da actual situação económica (o que na verdade são duas coisas q andam ligadas há muitos anos). Lá fora todos os grandes nomes têm várias operações (restaurantes, associações a marcas, produtos, etc...) r não lhes cai os parentes na lama por isso. De qualquer forma é preferível que tenham estas "segundas marcas" (mesmo como primeiras) do que não tenham nenhumas. Já nos chega ter o Joaquim Figueiredo a vender fogões e o Bertílio Gomes, gelados (mesmo que sejam os melhores fogões do mundo e os melhores gelados do país)

Paulina disse...

Será que a situação cá não era diferente? Não havia massa crítica e muitas vezes parece-me que as subidas foram demasiado rápidas. Isso implica pressão e, por força das responsabilidades que não directamente a cozinha, também menos tempo para evoluir. Não sei se tenho ou não razão, mas sempre me questionei se não era o caso...

Duarte, quando diz:
O perigo desta é comprometer carreiras de chefes que deveriam estar numa época de descoberta e criatividade e a única coisa em que parecem pensar é em encaixar a sua cozinha num menu de 30 euros.
Acho que se pode pôr também a questão noutros termos:
Ter um restaurante de topo e não ter público, ter a cabeça cheia de outros problemas... não tira a motivação para criar?
A descoberta e a criatividade dependem de produtos caros? Não limitarão estes muitas vezes a criatividade? Não dependerão a descoberta e acriatividade cada vez menos desses produtos ditos nobres no mundo em que vamos viver nos próximos anos (e não estou a falar de crise, estou mais a falar de atitudes, tendências)?

Acredito que em breve haverá muita gente em busca da experiência de uma refeição que possa, justificadamente, custar 100 ou 150 euros.
Haverá mesmo? Não haverá mais público para quem seja mais gratificante trabalhar e que não pode pagar isto?

São só outras visões do assunto... as respostas não tenho... daqui por um ano, talvez no Peixe em Lisboa, era interessante ter um debate com os envolvidos para se encontrarem algumas das respostas. Para já é muito cedo... é preciso deixar a poeira assentar.

Miguel Pires disse...

um ligeiro off topic para um post que me chegou via twitter:
"L'Atelier Robuchon, my main course: five tiny wee tiny tiny tiny lamb cutlets: £28. Seriously small dinner. Tiny meal. Hungry and angry." (Word of Mouth)

quem não sentiu já o mesmo que atire a primeira (sopa da) pedra...

Duarte Calvão disse...

Completamente de acordo, Miguel, quanto ao "não cairem parentes na lama". Aliás, dou o exemplo do José Avillez, precedido, como é bom lembrar, pelo Miguel Castro e Silva. com o Bull & Bear e o BB Gourmet.
Paulina, parece-me que terá um excesso de restaurantes "criativos" com chefes despreparados para a função. Por muito que hoje seja moda menosprezar a cozinha francesa, a verdade é que o seu "sistema" (hoje, felizmente, seguido em muitos países) continua o melhor. Geralmente, em vez de se atirarem para a chefia de um restaurante nos primeiros anos de profissão, fazem um percurso pelos melhores restaurantes, aprendendo nas equipas. Logo aqui há um processo de selecção. Depois, os que confirmam o talento, passados dez, quinze anos ou mais, abrem o seu próprio restaurante ou de alguém (inclusive hotéis) que respeita a sua cozinha. Nem todos darão certo, mas a verdade é que euando um cliente vai a um restaurante desse nível, dificilmente encontrará amadorismo, má gestão ou falhas técnicas básicas, como acontece em Portugal, com as consequentes implicações de falta de público e problemas financeiros. Por aqui, há demasiados jovens geniais e impacientes que pulam de local em local ou outros para quem a segurança de um hotel é a maior ambição. Tanto uns quanto outros dão muitas vezes má reputação á cozinha contemporânea.
Quanto aos produtos, o que argumento é que justamente não dependem só deles os custos de um restaurante. Claro que se podem e devem usar produtos que não correspondam aos clássicos da alta cozinha (caviar, lavagante, foie gras, caça, etc), mas dificilmente se poderá ser criativo por mais do que um mês ou dois sem uma equipa bem treinada e qualificada, sem tempo para testar pratos, sem equipamentos de qualidade e por aí fora.
Claro que há espaço para restaurantes de 100/150 euros em Portugal. Infelizmente, os exemplos continuam mais na chamada cozinha tradicional, mas já está melhor do que há uns anos.
Quanto ao Peixe em Lisboa, já está combinado.

EuSouGourmet disse...

Caro Duarte,
Em boa hora descobri este blogue e felicito-te pela objectividade e sinceridade neste post e gostava de acrescentar o seguinte: Vou há anos a todos os nomes da alta cozinha, cozinha tradicional e ultimamente má cozinha (porque infelizmente tem crescido da mesma forma que a boa). Paguei desde 5€ a 300€ por refeições, e quando vou a um espaço que há uns dias paguei 10€, e a conta aparece-me de 20€ fico assustado e sinto-me assaltado. Mas quando vou a um sitio que já paguei 200€ e de repente cobram-me 39.90, sinto-me revoltado e sinto vontade de dizer que quero o meu dinheiro de volta.
O conceito low-cost na alta cozinha é aproximar novos clientes ao conceito, ou aproximar novos num resultado qualificativo menor, e perder os que ainda vão?
Abraço
Vicente

Duarte Calvão disse...

Viva, Vicente. Obrigado por apareceres por aqui. Se percebi bem, se realmente já pagaste 200 e agora 39,9 pela mesma refeição é natural que fiques revoltado. Mas será que é a mesma refeição? Quanto aos públicos novos, tudo bem, mas se são obcecados pelo preço, nunca conhecerão a melhor cozinha, dentro do estilo mais criativo, que se faz no mundo. Eu prefiro ir uma vez ao Bulli, ao Roca ou ao Poblet que 40 ou 50 ao Sommer, por exemplo.
Abraço

Anónimo disse...

Bem não foi a mesma refeição, mas a disparidade não era grande, de qualquer forma os chef's têm de pensar bem nesta ideia de pegar num restaurante de >100€ e passar para <40€. É um low-cost muito estranho, porque 40€ são 40€ e não deixa de ser alto.
Entretanto estive no Hacienda Benazuza, e jantei no Alqueria e fiquei um pouco desapontado. já lá foste?
Abraço
Vicente

Duarte Calvão disse...

Fui há já uns seis ou sete anos, depois da primeira ida ao Bulli, e também não correu especialmente bem, sobretudo na comparação com o "original". Dizem que de lá para cá, terá melhorado e que mudaram de chefe.

Tia Maria disse...

Eu ponho aqui uma questão. Será que o português mediano pode ir a um restaurante high cost???
É que eu, com o que ganho aqui na Holanda, fazendo o mesmo que fazia em Portugal, vou comer onde me apetece sem me preocupar se custa 10 ou 100€. Em Portugal, nao podia fazer isso. É um questão pertinente. De que serve ter o melhor serviço e comida do mundo, se os potenciais clientes não podem pagar?? Ou só uma minoria é que pode. Não é com ordenados mínimos de 450€ que se pode querer que as pessoas frequentem esse tipo de restaurantes em vez de irem á tasca da Ti Maria comer umas sardinhas de escabeche, que eram muito boas, diga-se de passagem.
E nao estou a dizer que este tipo de restaurantes é caro, para o que oferecem. Mas se só algumas bolsas é que lhes tem acesso e mesmo essas, em tempos de crise, se ressentem, entao algo está mal.
Cumprimentos da terra das tulipas.