sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Visita à nova casa de Bertílio Gomes

Nesta quarta-feira, ainda antes de começar a Restaurant Week, fui finalmente jantar à Casa da Comida, uma das minhas prioridades desde que soube que Bertílio Gomes era agora o responsável pela cozinha, como chefe consultor. Tenho uma grande admiração pelo trabalho que ele desenvolveu no Vírgula, pela maneira serena como encara a sua profissão, pela humildade inteligente de aprender com os outros. Recordo a propósito um extraordinário almoço que tivemos no ano passado, juntamente com os chefes portugueses que participavam no Lo Mejor de La Gastronomia, em San Sebastián, no Martín Berasategui, e do genuíno entusiasmo que Bertílio demonstrou, sem se sentir diminuído por mostrar admiração. Via-se que estava cada vez melhor, em pleno crescimento, e continuo a achar que, aos 32 anos (creio que é essa a sua idade), é um dos chefes com maior futuro. O fim do Vírgula fez-me temer que ele, que tem família e contas para pagar, se encaixasse nalgum hotel onde a ditadura do food cost e da necessidade de agradar a gente de todos os cantos do mundo, destruísse uma carreira que se antevê brilhante.
Felizmente, surgiu a oportunidade da Casa da Comida e a primeira coisa que me agradou ao chegar a este magnífico espaço junto ao Jardim das Amoreiras, foi ver que havia várias mesas cheias, apesar da noite ser de semana e tempestuosa, algumas com turistas, mas também com portugueses. Ao longo da refeição, outros clientes foram chegando e senti no ambiente aquele ruído especial de conversas animadas e boa disposição, que a comida tanta vezes desperta. É uma das coisas que sempre verifico quando vou a um restaurante, seja uma tasca seja um três estrelas, e raramente esse "barulho de fundo" dá indicações erradas.
Marquei mesa com um nome falso e não vi o Bertílio por lá. Por isso, tenho quase a certeza de que ninguém me reconheceu ou deu "tratamento especial". Na lista, encontrei já vários pratos assinados por Bertílio, incluindo o célebre polvo assado com batata doce de Aljezur (um produto Slow Food, de que ele tem sido um dos principais divulgadores) tão apreciado pelo Miguel Pires, mas acabámos por pedir, éramos três à mesa, duas entradas: "mozzarella" de queijo de Arraiolos com maçã e pastel de caracol com caldo de rabo de boi. Nos principais, bacalhau à Zé do Pipo na versão do chefe, garoupa assada com cupeta de porco ibérico e molho de ervilhas (na foto, de Nuno Correia, feita para o Grande Livro dos Chefes, de Fátima Moura) e pintada com caril e lima e maçã braseada. Na sobremesas, doce conventual do século XVII, que veio com um gelado de maçã.
Provei de tudo e a nota final é francamente positiva, principalmente devido à estupenda garoupa , numa combinação interessantíssima (já tinha provado uma versão parecida, com cherne, que Bertílio tinha apresentado num jantar em San Sebastián) e plena de sabores, e também pela perfeição do prato de bacalhau. Já as entradas precisam claramente de ser melhoradas e a pintada foi mesmo um prato falhado, com a ave um pouco seca e monótona, sem se notar o caril ou a lima anunciados. Óptima sobremesa, uma espécie de "queijo" de amêndoa de sabor subtil, com recheio de ovos e gila. Acompanhava um bom gelado de maçã que me disseram ser feito pelo Bertílio (ele tem uma gelataria em Alhandra, juntamente com a sua mulher), havendo aliás vários outros gelados à disposição.
A carta de vinhos, embora eu perceba pouco do assunto, pareceu-me muito boa, cheia de opções que começam geralmente pelos 15 euros e vão até vinhos de topo com preços a condizer. Há também muitos vinhos a copo. Escolhi um Lagoalva da casta alfrocheiro de 1999, que me pareceu raro de encontrar, e porque gostei imenso de um outro varietal alfrocheiro deste produtor, creio que de 2004. Custou 25 euros e estava óptimo, servido à temperatura correcta. Mas não sei se toda a gente tem estes gostos. Nos vinhos, limito-me a dizer o que gosto e o que não gosto, e não sei dizer mais nada. Até porque tenho aqui o Rui Falcão e o Miguel Pires a vigiarem-me as asneiras...
O serviço é desempenhado por pessoal veterano, nem sempre bem informado sobre os pratos, mas muito cortês, profissional e atento. Destaque para o responsável pelo serviço de vinhos. No final, pagámos pouco mais de 130 euros, mas se tivesse havido mais uma entrada e duas sobremesas, é natural que fosse aos 150, o que mesmo assim é uma boa relação qualidade/preço. Das outras vezes que lá tinha ido, embora tenha gostado, achei sempre um pouco caro demais. Desta vez, foi ao contrário. Não há menu degustação, mas não sei se fará falta. É até uma maneira de se distinguir de outros restaurantes. Fiquei sobretudo satisfeito por ver que a Casa da Comida, que tanto prestígio alcançou nos anos 80 e 90, está a dar a volta por cima e que encontrou em Bertílio Gomes a pessoa certa, embora se note que o seu trabalho está apenas no início e que, como ele saberá melhor do que ninguém, ainda há aspectos a melhorar. Juntamente com o Tavares e a Tágide, dois outros clássicos recentemente recuperados, é mais um restaurante "antigo" de Lisboa que volta ao leque de escolhas dos gastrónomos dos nossos dias. Vou voltar de certeza e cheio de vontade de provar outros pratos.

9 comentários:

Anónimo disse...

Duplamente satisfeito
Primeiro pela Casa da Comida, restaurante de sempre, que finalmente está a evoluir. Apesar de ser uma equipa antiga há muita mentalidade jovem e muita vontade de desmpenhar um papel importante no desenvolvimento do sector da restauração moderna (que tem tão pouca expressão em Lisboa, pelo menos com este nível)
Segundo pelo chefe que aprendi a admirar no saudoso Virgula ( que fechou de uma maneira estranha???). Pelo que diz é chefe consultor mas assina a carta e noutros espaços aparece como chefe. Bons chefes devem juntar-se a boas casas, bem estruturadas, sólidas, com futuro

Votos de sucesso para os dois e parabéns pela pedrada no marasmo do sector.

Cumprimentos
JM

Anónimo disse...

Bem esperemos que não seja outro Luis Baena que depois do sucesso num restaurante moderno, meteu a pata na poça (certamente encandiado pelos € de uma casa sólida, a tal história da bananeira), desconfio sempre destas consultorias, afinal os homens nunca lá estão! Se o Bertilio estivesse lá talvez a pintada não estivesse seca.. Para um Chefe com nome seria um erro inconcebivel.

Saudações
Jorge Soares

Frederico Ribeiro disse...

Agrada-me especialmente ver que a Casa da Comida está a ter boa aceitação.
Recordo-me do almoço que tiveram no Martin Berasategui, que foi onde conheci pela primeira vez Bertilio Gomes.
Como profissional apenas conheço o seu trabalho,com muita pena minha, em nada mais que reportagens,fotografias e receitas.
Como pessoa é um ser humilde, fantástico, apaixonado pela boa gastronomia e sempre em busca de mais.
O que retrata o trabalho conseguido até agora.

Cumprimentos
Frederico Ribeiro

Duarte Calvão disse...

Acho, Jorge Soares, que não pode comparar o trabalho de Luís Baena para uma cadeia de hotéis como o Tivoli com o de Bertílio Gomes num só restaurante. Mas quem o ouve, pode julgar que até à consultoria de Luís Baena, um grande profissional que devemos todos respeitar, os hotéis Tivoli eram conhecidos pela qualidade da cozinha...Quando à presença do chefe e às consultorias, é de facto um problema que afecta inclusive grandes nomes internacionais. É uma discussão interessante, que merece ficar para outro post.

Duarte Calvão disse...

Bons dias, Frederico, que é feito? Acho que temos que lhe agradecer também, já que estava na cozinha, esse extraordinário almoço no Berasategui, sem dúvida um dos melhores da minha vida (e da vida de muitos dos presentes, pelo que pude perceber). Que planos tem agora?

Paulina Mata disse...

O Frederico, que entretanto já esteve no The Fat Duck, está agora no El Bulli. Tem escrito uns relatos que gosto muito de ler sobre a actual experiência.

http://www.novacritica-vinho.com/forum/viewtopic.php?t=8958

Anónimo disse...

Bertilio Gomes ainda vai dar que falar em relação ao Baena se calhar foi moda é melhor virar-se para outro estilo de comida

Anónimo disse...

O Baena vai abrir mais um grande restaurante em Santos.

Enorme expectativa que visa calar os cépticos da sua cozinha

Frederico Ribeiro disse...

Na cozinha não se ouvia outra frase senão..
"Cuidado com esses pratos que são para os chefes Portugueses..."

E lembro-me que a mesa estava reservada em nome do Bertilio Gomes tambem.
Fico contente de ter contribuido para esse almoço, especialmente por ter sido no dia do meu aniversario.

Cumprimentos